quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Marcone Moreira explora o universo ribeirinho nas exposições “Margem” e “Banzeiro”

Entre o desordenado urbano e práticas tradicionais, Marcone Moreira encontra pressupostos para a arte. É em feiras, portos e comunidades ribeirinhas que ele extrai elementos para compor uma visualidade baseada no cotidiano da região onde mora, em Marabá. Com a junção de materiais dispersos nesses ambientes, Marcone recria e ressignifica o que antes era usual. A partir de novas configurações estéticas, ele tem sido um dos artistas paraenses com maior destaque no eixo sudeste. A produção do artista é múltipla: desde instalações a pintura acrílica, passando por vídeo, fotografia e escultura. E o que atrai em Marcone é justamente a possibilidade de trabalhar com materiais que estão desatrelados do universo artístico trivial.

Maranhense de Pio XII, Marcone mudou-se para Marabá com a família aos 14 anos. Cresceu envolvido com a percepção de uma cidade caótica, violenta, seca, vermelha. Não à toa a sua produção artística tem madeiras, isopores, nylon de matizes fortes, cores cítricas. Na cidade, o processo de pesquisa mais recente do artista plástico se desenvolve em estaleiros que ficam às margens dos rios Tocantis e Iatacaiúnas, que cortam o município do sudeste paraense. Imerso no cenário de construção naval, Marcone procura peças que não são mais utilizadas e as reordena, transformando cascos de canoas e navios em peças para suas instalações.

Desse universo naval, Marcone expõe duas mostras com o uso de materiais de embarcação. As exposições “Margem” e “Banzeiro” abrem às 19h30, no Museu Casa das Onze Janelas. “Margem” foi contemplada com o edital Secult de Artes Visuais; “Banzeiro” é o resultado do Prêmio Marcantônio Vilaça 2009, da Fundação Nacional de Artes (Funarte), e que prevê a feitura de obras artísticas para compor acervos de museus brasileiros. Ambas têm como mote o redesenho de transportes fluviais. “Relacionei as duas exposições, que tratam do universo ribeirinho e da construção naval”, diz o artista.

Em “Margem”, instalação que começou a ser desenvolvida em 2006, Marcone apresenta duas esculturas de grande porte, que remetem ao infinito das margens. A idéia surgiu após a leitura de um texto de João de Jesus Paes Loureiro: “Entre o rio e a floresta, o infinito”. O artista partiu do que não tem limites e se apropriou do conceito geográfico de “margem”, encontro da água com a terra. O trabalho foi feito com peças de uma canoa, embarcação usada como veículo de ligação entre as margens. “Por isso optei por essa montagem, onde o trabalho se acomoda entre o chão e a parede que, mesmo partindo de uma estrutura rígida, dá uma idéia de fluidez”, diz.

Em “Banzeiro”, Marcone dispõe 30 cavernames – peças curvas de madeira que dão forma ao casco das embarcações – no gramado do Forte do Presépio, de forma aleatória, em alusão ao movimento intenso das águas dos rios. Expor fora de espaços expositivos comuns, como museus e galerias, têm sido importante para o artista. Ele tem colocado as peças em praças e outros locais públicos. “As pessoas não têm acesso às obras e isso passou a me incomodar. Comecei a realizar intervenções urbanas em Marabá para criar esse diálogo”, diz.

As peças foram confeccionadas pelo carpinteiro naval Valdeídes, que atua na profissão há mais de 30 anos, mas constata o desinteresse pela prática. “Ele aprendeu com o pai e curiosamente não quer que os filhos continuem. Já não tem mais tanta importância. Hoje em dia ele faz algumas reformas e canoas”, conta. A aproximação com esses mestres, detentores de um saber tradicional e que vem perdendo importância história, fez Marcone repensar sobre a atividade artística. “Procuro uma maneira de retornar para o universo de onde eu retiro os materiais e me aproprio. Esse atentar para o outro faz parte até mesmo do meu processo de maturidade, como ser humano. E isso tem mudado muito”, diz. Em visita recente ao Porto do Sal, às margens da Baía de Guajará, na Cidade Velha, Marcone foi surpreendido pelo Mestre Chico Abaeté, que após três anos o reconheceu e ainda disse: “Esse eu sei. Tá querendo umas madeiras velhas para fazer trabalho de arte, né?”. (Diário do Pará)

Nenhum comentário:

Postar um comentário